Um casamento há muito esperado... e um casamento finalmente consumado!
Presente de Omaha! Carta da NAM: Fala, Dudu! Como uma estratégia de marketing de um jornal local deu origem à uma das mais famosas amarelinhas do mundo.
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☕ Expresso de Notícias
Curto e sem açúcar
Um casamento há muito esperado…
Por @monnerat_rafael
A grande notícia da semana no setor de Saúde foi o anúncio da compra do laboratório mineiro Hermes Pardini (PARD3) pelo seu concorrente Fleury (FLRY3). Com o negócio, vai ser criado um gigante, com faturamento de mais de R$ 6 bi por ano, operando em 487 unidades de atendimento espalhadas por 12 estados.
Com a transação, a CEO Jeane Tsutsui continua suas aquisições em série: essa é a oitava desde que ela assumiu o comando.
Pra fechar o negócio, o Fleury concordou em pagar um prêmio de 14,2% em relação à cotação de PARD3 antes da transação, o que dá uns R$ 300 milhões acima do valor de mercado atual. Esse pagamento vai ser feito com 90% do valor em ações de FLRY3 e 10% em caixa.
É bem verdade que esse negócio já era esperado e, sem falsa modéstia, a gente já tinha cantado essa bola faz um bom tempo. Fato é que a transação faz total sentido pra ambas as partes por um motivo muito simples: as duas empresas são muito complementares.
Enquanto o Hermes Pardini se destaca muito nos serviços prestados pra outros laboratórios, o chamado lab-to-lab, o Fleury ainda engatinha nesse canal. Pra você ter noção, 56% da Receita do Hermes Pardini em 2021 veio do lab-to-lab, enquanto que só 17% das vendas do Fleury vieram desse segmento no mesmo ano.
Outra forma que as empresas se complementam é na geografia: com a compra do Hermes Pardini, o Fleury entra em Minas Gerais, em Goiás e no Pará. Os únicos estados em que os dois laboratórios têm operação são SP e RJ, os dois maiores do país.
É claro que com as duas empresas se complementando tão bem, as sinergias esperadas pra transação são bem grandes, entre R$ 160 e 190 milhões por ano. Numa conta bem grosseira, as sinergias pagariam o prêmio da aquisição em menos de dois anos.
Essas sinergias vão vir na Receita, pelo crescimento em vários segmentos, com destaque pro lab-to-lab e na diminuição de despesas pelo aumento de eficiência, principalmente em logística e custos. Sem contar a alavancagem do portfólio de negócios pela combinação de produtos e times de médicos.
Um efeito colateral muito interessante dessa transação é a nova composição acionária do Fleury.
Após a aquisição, os acionistas do Fleury vão ficar com mais ou menos dois terços das ações, enquanto que os acionistas do Pardini vão ficar com um terço. Como a família Pardini tinha quase 65% do laboratório mineiro, após a transação, ela será a maior acionista do novo Fleury, com cerca de 21,9% das ações. Logo em seguida vem o Bradesco com 20,2%.
Junto com a aquisição, o Fleury já disse que pode fazer um aumento de capital pra diminuir a alavancagem e continuar fazendo outras aquisições, além de abrir novas unidades. No aumento de capital, o Fleury emitiria até 70,6 milhões de ações, o que aumentaria as ações em circulação em 15%.
Esse possível aumento de capital deixa bem claro que Jeane Tsutsui não quer parar por aí e deve continuar sua estratégia de crescimento inorgânico. Mas aí você pode estar se perguntando: que outras aquisições que Jeane pode fazer?
Bom, fora da medicina diagnóstica ela tem um mar de oportunidades, como foi a aquisição recente do hospital SAHA que a gente falou sobre em outra edição do Diário. A realidade é que a empresa está se movimentando pra diversificar suas fontes de Receita ao entrar em segmentos como Infusões e Ortopedia.
Agora falando do mercado em que se consagrou, o Fleury pode comprar laboratórios menores pra entrar em novos estados como Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Outra estratégia pode ser adquirir players menores pra aumentar sua presença em lugares onde tem poucas unidades, como o Rio Grande do Sul.
Jeane pode também tentar marcar um golaço e ir pra cima do último laboratório grande que anda dando sopa por aí, o Sabin. A boa notícia é que o Fleury sai bem na frente na missão de pescar esse dourado. Digo isso porque certamente a relação entre os dois laboratórios é sadia, já que eles são sócios no Kortex Ventures, um fundo de venture capital.
Será que Jeane vai atacar novamente?
Fica de olho no VBOX porque o Fleury vai ser a próxima empresa do setor de Saúde a aparecer por lá. Não vá perder, hein?
…E um casamento finalmente consumado!
Por @thiagomd_1
Na última sexta-feira, em Fato Relevante conjunto, Localiza (RENT3) e Unidas (LCAM3), comunicaram a tão esperada consumação do casamento, cuja cerimônia já dura desde 2020.
Depois de aprovada a Ouro Verde, como compradora de parte relevante do RAC da Unidas, o CADE aprovou definitivamente a incorporação das ações da Unidas pela Localiza.
As ações de LCAM3 já não estão mais em negociação na B3. Desde ontem, as novas ações de Localiza — emitidas aos acionistas de Unidas, na proporção de 0,43884446 ações de Localiza para cada uma de Unidas — já começaram a ser negociadas.
Com a consumação desse casamento, entrou em vigor o acordo de acionistas assinado pelos fundadores de ambas as empresas em setembro de 2020. O acordo tem vigência de 6 anos e vincula 22,69% do capital da nova empresa, sendo 16,21% do bloco dos fundadores da Localiza e 6,48% do bloco dos fundadores da Unidas, após últimos ajustes realizados na semana passada.
A ideia é votar em conjunto, em todas as assembleias, enquanto durar o acordo, garantindo, assim, o controle da empresa nas mãos dos fundadores. Com a incorporação, os conselheiros da Unidas já entregaram suas cartas de renúncia. Em contrapartida, Fernando Porto e Sérgio Resende (fundadores da Unidas) foram eleitos para o Conselho da Localiza, com Fernando como vice-presidente.
Como a gente falou no VBOX de RENT3 — que você pode baixar gratuitamente logo ali embaixo 👇 — pra ficar bem clara a importância dessa união, basta fazermos um exercício da escala que as duas empresas vão atingir juntas. Em 2019, para usarmos uma data anterior à pandemia, a Localiza comprou 192 mil carros, enquanto a Unidas comprou 93 mil.
Depois da incorporação, a nova Localiza pode chegar a comprar aproximadamente 250 mil carros, enquanto a Movida, na melhor das hipóteses, chegaria próxima de comprar metade disso! (Considerando uma normalização da crise dos semicondutores, claro).
250 mil carros são por volta de 50% do total de carros comprados por todas as empresas de locação do país em 2020. É quase 12% daquilo que foi produzido no país inteiro em 2021 😱.
Além disso, a Unidas era a empresa com menor tarifa média no RAC entre as três grandes. Isso quer dizer que com a incorporação, a Localiza “deu um jeito” na sua maior concorrente em preços.
Com as operações funcionando em conjunto, a Localiza vai poder aproveitar sua própria estrutura para eliminar estruturas sobrepostas na Unidas. Imagine que uma economia de 20% em despesas com vendas, gerais e administrativas na Unidas, pode representar quase R$ 150 milhões por ano, tomados os valores de 2021.
Baita economia, né?
Nos resta, agora, aguardar as cenas do próximo capítulo para que algumas questões sejam respondidas.
Será que a Ouro Verde vai entrar no mercado de RAC de vez, com a marca Unidas? Será que a Movida vai aguentar fazer concorrência ao novo monstrinho? Será que todas as possíveis sinergias serão 100% aproveitadas?
Só o futuro dirá!
🎁 Presente de Omaha
Nessa edição, vamos liberar pra você, em primeira mão, nosso Relatório de Valuation da Localiza (RENT3) gratuitamente!
São mais de 100 páginas de conteúdo e é, provavelmente, o relatório mais completo que você vai ler sobre a empresa.
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😎Fala, Dudu!
Sua carta sátira semanal do gestor do primeiro hedge fund de Niterói
Bem vindo à NAM
Por Dudu, gestor da Nikiti Asset Management
Koé, família!
Meu nome é Dudu, sou gestor do primeiro hedge fund de Niterói: O Nikiti Asset Management.
Minha equipe é totalmente sem frescura e raiz, como um bom salgado italiano, contando com 4 analistas que não se alimentam direito, 2 estagiários fixos, (Rodofin e Marquin, que um dia serão efetivados) 1 cara da TI e 1 vaga de estágio que insiste em ficar aberta...
O desenrolo dessa carta aqui é comentar as paradas que rolaram essa semana, tanto as que deram bom como as que miaram no mercado.
Os invejosos do Leblon dirão que eu só canto vitória e nunca tenho loss, mas a verdade é que as coisas aqui em Niterói chegam um pouquinho mais cedo, mesmo pegando a ponte, e loss só vem dos estagiários que pagam 10k numa bike elétrica.
Como um bom carioca, eu falo tudo na cara e gasto geral mesmo, até pelo fato de que o mercado financeiro é como o meu errejota: às vezes sobra malandro e falta otário! Então, fico aqui, humildemente, passando minha visão a quem quiser ler e ganhar experiência de mercado.
Lembrando que qualquer coisa que eu fale aqui é deboche e não se configura como recomendação de investimentos, até porque eu não sou nem trouxa de recomendar de graça.
Última semana do semestre foi calma como uma turbina de avião, né? Mas seguimos firmes e superando toda volatilidade do mercado.
Essa é a carta semanal do Nikiti Asset Management, o NAM!
Bora lá?
A-cor-da, Pedrinho: Nessa semana, Pedro Guimarães renunciou à presidência da Caixa após várias denúncias de assédio sexual e moral terem saído na mídia. Se o cara da música “Acorda, Pedrinho” não sabe pra onde ir, o ex-presidente da Caixa tá certo de ter que ir lá no MPF para responder essas denúncias.
Quem assume a Caixa agora é Daniella Consentino, ex-secretária especial de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia e com 20 anos de mercado financeiro nas costas.
Clima Tenso Entre os Brothers: Na Alemanha, teve rolou a reunião do G7, o grupo das 7 maiores economias do mundo, que mais pareceu uma reunião de condomínio, onde se juntam para debater nada e concluir coisa nenhuma. Era tão vibe de reunião de condomínio que até o nosso vizinho caloteiro, a Argentina, estava lá.
E já aproveitando o embalo, também teve a reunião da OTAN onde — basicamente, eles se reuniram para esculachar a Rússia (com razão) — deixarem a entender que Finlândia e a Suécia vão entrar no bonde e chorar mágoas pela China (como sempre). Afinal, adoram dizer que ela “representa um desafio para os interesses e a segurança dos países da OTAN”.
A China, que não leva desaforo nem os uigures pra casa, reagiu dizendo que: "As mãos da OTAN estão manchadas de sangue dos povos do mundo".
Vaga Aberta: Iniciamos a semana com um novo estagiário aqui na Nikiti Asset Management, o Juanzinho. Na quarta-feira, pedi pra ele comprar a TV que estava barata no mercado, por uns mil. Ele entendeu errado e comprou mil lotes de ações da TC, que caiu mais de 25% no dia seguinte. Vaga reaberta.
Aliás, o motivo dessa queda foi um vídeo que recebi em meu zap na noite anterior, onde uma mina trajada de palhaço fazia acusações graves contra a empresa, além de uma postagem na coluna do Lauro Jardim (um Léo Dias com menor taxa de acerto), que dizia que a CVM estaria investigando a TC. A informação foi negada pela própria empresa em fato relevante publicado mais tarde na quinta.
Ai, minha liquidez: Após um ano de extrema liquidez nos mercados, o primeiro semestre de 2022 tá sendo marcado pelo aumento das taxas de juros e das inflações globais, ou seja, secando a fonte da grana. Isso afeta diretamente o mercado de M&A, que caiu 17% em relação ao mesmo período do ano passado.
Mesmo assim, tem gente que ainda tá no game. Nessa semana, saiu a tão esperada (por nós da Nikiti Asset Management, inclusive) fusão entre Fleury (FLRY3) e Hermes Pardini (PARD3), que vai criar um monstro que representa 16% do mercado de exames de saúde.
Já fica registrado aqui que se a nova empresa não se chamar Fleurermes, estaremos short all in de 10% do PL do fundo.
Joinha: O mês de junho é o mês da visibilidade LGBTQIA+ e o mês em que mais se contrata designer para botar arco-íris em tudo. Apesar do apoio ser legal e necessário, muitas empresas não conseguem disfarçar o cinismo dessas atitudes (não vou citar as empresas pois o compliance ia ter muito trabalho).
Segundo um estudo de 2017 da ONG OutNow, 68% dos profissionais brasileiros que são LGBTQIA+ afirmaram ter passado por situações de preconceito no trabalho, o que fica pior quando lembramos que estamos em pleno século XXI.
Apesar dos avanços do debate e visibilidade, ainda há um grande caminho a percorrer. Todo dia 28 de junho, é comemorado o dia do orgulho LGBTQIA+ e é um dia para refletir e entender este caminho!
Aqui na Nikiti Asset Management, eu também sou o RH e busco a diversidade plena: mando todos os estagiários embora, independente de cor, religião, gênero e orientação sexual, já que todos vão fazer alguma cagada. 👍
E é isso, galera!
Bebam água (de qualquer tipo) e bora produzir que os estagiários não recebem demanda sozinhos!
Abs e bons negócios🤝
🚴 Off-topic
Nem só de mercado vivem os investidores.
Como uma estratégia de marketing de um jornal local deu origem à uma das mais famosas amarelinhas do mundo
(E não, não estamos falando no uniforme da Seleção Brasileira)
Por @mateusbmendes
O ano era 1902, quando o jornal esportivo L’Auto, apenas 2 anos após a sua criação, via o seu concorrente Le Vélo (patrocinador na época da tão icônica Paris-Roubaix uma das provas de um dia mais duras do mundo) dominar o mercado e aos poucos retirar a sua recém conquistada clientela.
O aspirante a queridinho dos leitores tinha uma média de circulação de 25.000 edições diárias, enquanto o seu rival vinha aumentando o seu número, que já era de 80.000 vendas por dia. Guarde bem a carinha dele.
A situação não era boa, e os apoiadores do L’Auto da época estavam completamente insatisfeitos com os resultados. Por isso, uma reunião de última hora pra tratar da crise foi marcada. O encontro estava próximo do fim e nada de uma solução, até que um jovem de 26 anos, chamado Géo Lefèvere, abriu a boca pela primeira vez e deu a ideia de criar uma corrida de bicicleta, com duração de 6 dias, percorrendo toda a França.
Vale comentar que nessa época era comum que jornais franceses criassem e patrocinassem corridas como forma de marketing, mas jamais da maneira que seria feita pela L’Auto.
Naquela mesma tarde, o diretor financeiro do Jornal, Victor Goddet, deu carta branca pro então editor chefe Henri Desgrange gastar o que fosse necessário naquela competição.
Entre mudanças de regulamento, data, percurso e restrições, deu partida no dia 01 de julho de 1903 o que viria a ser conhecida como a maior corrida de ciclismo do mundo, o “Tour de France”. (Que diga-se de passagem, começou na sexta-feira passada, dia 01/07).
A corrida foi um sucesso! Entre 60 e 80 pessoas largaram pra concorrer a uma premiação de 12.000 francos franceses para o grande vencedor, além de 3.000 francos para o ganhador de cada uma das então 5 etapas (começando em Paris, passando por Lyon, Marseille, Bordeaux, Nantes e Toulosse antes de voltar pra Paris).
Esses valores pra época eram mais do que a grande maioria dos trabalhadores sonhava em ganhar em um ano. Mas não podemos esquecer que aquilo tudo tinha um propósito, aumentar as vendas. E Isso aconteceu com louvor! No final dos 19 dias de corrida (existiam vários dias de descanso para os atletas) as vendas diárias da L’Auto dobraram. Um sucesso que nem mesmo os seus idealizadores esperavam.
Como amante do ciclismo, eu gostaria de contar em detalhes toda a história do TDF (principalmente falando de valores financeiros e modelo de negócio por trás da organização), mas quem sabe isso fica numa próxima edição do Diário 👀.
O importante aqui é você saber que o Tour cresceu absurdamente, a L’Auto acabou com todos os concorrentes e registrou, em 1933, o seu recorde de 854.000 edições vendidas em um único dia.
Uma pequena curiosidade, a L’Auto se transformou posteriormente no conhecido jornal francês L’EQUIPE, mas o TDF acabou mudando o seu organizador alguns anos depois. Pra você ter uma dimensão do tamanho da competição, as únicas 2 coisas que conseguiram impedir o Tour de acontecer foram as 2 Grandes Guerras, fora isso, ele aconteceu todos os anos, religiosamente, desde a sua primeira edição.
Mas para melhorar seu entendimento do texto, cabe, aqui, uma breve e simplificada explicação de como funciona o TDF (amantes do ciclismo, não me matem).
É uma corrida que ocorre em 21 etapas, com 3 dias de descanso ao todo, cujo grande campeão é aquele que ao final tem o menor tempo acumulado no somatório de cada etapa. Além dele, também são premiados o vencedor de cada etapa, o melhor sprinter, melhor escalador e melhor atleta até 23 anos. Todos os dias existe um novo líder virtual pra cada uma das premiações. E você já vai entender a importância disso.
Não sei se você lembra da foto, mas o L’Auto era impresso em papel amarelo (não, não era um jornal estragado da imagem que eu te mostrei), por isso em 1919, em mais uma das suas jogadas de mestre, Desgrange criou o grande símbolo do Tour, que viria a ser cobiçado por todos os ciclistas profissionais, ou aspirantes à tal, até hoje: a icônica Maillot Jaune. Em bom português: a “Camisa Amarela”.
Ela foi criada pro líder virtual da classificação geral (o que tem o menor tempo acumulado) usar durante as etapas. Imagina isso, uma camisa da cor do jornal, que pode ser vista de qualquer lugar, desfilando por toda a França, durante o maior evento ciclístico do mundo. Não tinha como dar errado!
E não deu! O negócio deu tão certo, que hoje em dia existe uma camisa diferente pra cada líder entre as classificações citadas anteriormente. E é óbvio que empresas pagam muita grana pra estampar essas cobiçadas jerseys (como são chamadas no ciclismo).
O evento foi tomando cada vez mais prestígio. Passou a ser normal bilionários e empresas gigantescas patrocinarem as equipes em busca da tão sonhada Maillot Jaune, durante a última etapa na Champs-Élysées. E com tanto dinheiro rolando, é claro que a ganância humana por vitória e contas bancárias cheias também assolaria o ciclismo.
Nos seus primeiros anos, o doping era aceito no esporte das duas rodas, principalmente com o surgimento de provas mais duras como o Tour.
Porém, várias tragédias com os atletas que faziam uso de substâncias proibidas começaram a chamar cada vez mais atenção do público e das confederações, até culminar na morte do ciclista dinamarquês Knud Enemark Jensen, nas Olimpíadas de Roma em 1960.
Durante a prova de contrarrelógio por equipes, o jovem de 23 anos caiu duro no efervescente asfalto faltando apenas 5 quilômetros pra chegada. Não demorou muito pra descobrirem que a principal causa do falecimento foi o uso de uma substância pra aumentar a vascularização chamada de Roniacol, além de anfetaminas.
A partir daí as instituições ficaram cada vez mais rigorosas no controle dos atletas. Mas acabava sendo uma briga de gato e rato. De um lado, grandes laboratórios clandestinos (ou às vezes nem tão clandestinos assim) e trapaceiros buscavam novas maneiras de melhorar a performance. De outro, as organizações antidoping seguiam banindo novas substâncias. Até que em julho de 1998 surgiu um novo escândalo. Na semana seguinte à conquista da primeira Copa do Mundo dos franceses, aconteceu o que ficou conhecido como: “Festina affair”.
Se você não sabe, no ciclismo, as equipes recebem o nome do patrocinador principal. Então sim, essa equipe era da glamorosa fabricante de relógios suíços. (Eu não queria estar na pele do diretor de marketing da empresa nessa época 😅)
O que rolou é que poucos dias antes do “Grand Départ” (como é chamada a primeira etapa), rumores pairavam pelos ares de que a principal equipe do mundo no momento, a Festina, estaria preparando um esquema de doping pros seus atletas.
Isso levantou as antenas da WADA (Agência Mundial Antidoping), que aumentou as suas buscas. Como quem procura acha, a WADA encontrou o “assistente” pessoal do líder francês da equipe, Richard Virenque, com, segundo o jornal da época: “uma quantidade suficiente de substância pra abastecer um exército de pessoas numa rave em Ibiza, durante o verão inteiro” (tradução livre).
Claro que isso resultou no banimento da equipe e no aumento dos esforços da WADA e da UCI (União de Ciclismo Internacional) contra o doping. Mas calma, esse escândalo é história de quadrinho perto do que está por vir.
6 anos antes, em 1992, um jovem americano que recém havia se tornado profissional vinha se destacando nas competições. Seu nome, Lance Armstrong. Construindo sua carreira normalmente como qualquer sonhador, ele conseguiu vencer duas etapas do Tour de France nos anos de 1993 e 1995. Sendo que no primeiro ano como profissional, ele se tornou campeão mundial.
O garoto era um fenômeno, até que em 1996 ele foi assolado por um câncer de testículo que, nessa altura, já havia se espalhado pra outros órgãos.
Mergulhado em quimioterapia e salas cirúrgicas durante incontáveis meses, Lance voltou a treinar contra qualquer crença dos médicos de que poderia se tornar um atleta de elite novamente. Até que em junho de 1998, ele ganhou com glória a sua primeira grande corrida após o diagnóstico, o Tour de Luxemburgo.
Até então, Lance era conhecido por ser especialista em provas de um dia, mas após um quarto lugar na Vuelta a España, no final de 1998 (ano do Festina affair), ele foi convencido pelo seu treinador de alterar toda a sua preparação e dieta em busca do tão temido Tour de France.
Pra você que não é tão familiarizado com o ciclismo, atletas que focam nas grandes voltas (que duram 3 semanas) abdicam de praticamente qualquer outro tipo de prova. O único foco deles é encontrar o equilíbrio perfeito entre leveza e resistência, perdendo praticamente toda a sua potência, pra permitir que “escalem” as montanhas bem mais rápido.
Então, no dia 25 de julho de 1999, ele se tornou o segundo americano da história a ganhar o TDF e o primeiro a ganhar com uma equipe Americana, a US Postal Services. O ícone Greg Lemond, primeiro americano a vencer, corria por uma equipe europeia. A história começava a ser escrita, um sobrevivente do câncer, americano, com uma equipe americana, ganhando uma das provas mais brutais do mundo.
Como nem tudo são flores, aconteceu que identificaram em um dos exames de urina de Lance, feito durante os 22 dias de prova, traços de um corticoide banido pela agência. A equipe de Lance alegou que esse corticoide vinha de um creme prescrito por médico pra prevenir assaduras, devido às longas horas sentadas na bicicleta. A UCI liberou Armstrong das alegações, mas nem todo mundo engoliu essa história, principalmente os franceses.
O problema é que aquela vitória foi só a primeira! O que Lance fez depois se tornou um dos maiores feitos de um atleta em toda a galáxia. Simplesmente, ele engrenou mais 6 vitórias no tour, superando quedas, doenças, dias difíceis e adversários bizarramente fortes.
Sim, ele conquistou o Tour de France 7 vezes seguidas. Eu vou repetir.
SETE!
VEZES!
SEGUIDAS!
Como era de se esperar, as alegações de doping continuaram durante todo esse tempo, principalmente porque a sua performance e a de seus companheiros melhorava a cada ano, mas jamais nenhuma prova foi encontrada. Centenas de exames de urina e de sangue, mais de uma vez por dia, durante férias, grandes competições, training camps. Nada foi suficiente pra encontrar uma gota que provasse a trapaça americana. Talvez aquele garoto só fosse “gifted” (talentoso), mesmo.
Em 2005, após a sua última vitória — uma hora cansa, né 💁♂️ ️— ele anunciou a aposentadoria. Mas acabou voltando à ativa no final de 2008, e conquistando em 2009 o terceiro lugar no pódio do TDF. Foi pendurar as sapatilhas de vez após a prova de 2011, sem nenhum novo resultado expressivo (será que a magia tinha acabado?). Mas a novela estava longe de terminar.
Um antigo companheiro de equipe do heptacampeão, Floyd Landis, em abril de 2010, entrou em contato com a Federação Americana de ciclismo. Nesse contato, ele admitiu que ele e seus antigos parceiros da USPS (depois Discovery) usaram substâncias pra aumentar a performance, dando um destaque peculiar pra Lance.
Diga-se de passagem, Landis ganhou o TDF em 2006, mas teve o título retirado do seu currículo depois que foi pego em esquema de doping. Curioso isso né, logo depois que Armstrong saiu da equipe 🧐. Mas enfim, as investigações do júri Federal Americano não foram pra frente e no início de 2012 foram encerradas, por não conseguirem provar nada contra o 7 vezes ganhador da “Maillot Jaune”.
Você provavelmente ainda não engoliu essa história, e mais algumas pessoas também estavam insatisfeitas.
Por isso a USADA (a WADA americana) continuou a sua investigação por conta própria e acusou, em junho daquele mesmo ano, Lance Armstrong e mais 5 profissionais (3 médicos, um manager e o seu técnico) de participarem de uma conspiração de doping de mais de uma década. Segundo um dos responsáveis da Agência, esse foi o “mais sofisticado e profissionalizado esquema de doping já visto no esporte”. Ele teve seu início em meados dos anos 90 e terminou em 2005, na última vitória de Lance.
A USADA parecia ter provas claras do uso de eritropoetina, hormônio do crescimento, transfusões sanguíneas e testosterona, por Armstrong. Não bastasse isso, ele também fornecia para os outros atletas da equipe que resolvessem começar a usar.
Não vou entrar em méritos legais, mas entre acusações e defesas, a UCI acatou as provas e retirou todos os 7 títulos conquistados por Lance. A farsa tinha caído por água abaixo, milhões de fãs, admiradores e sobreviventes do câncer foram desapontados pelo seu ídolo.
O último capítulo dessa novela foi ao ar em janeiro de 2013, numa entrevista com a Oprah Winfrey, quando Lance assumiu pela primeira vez todas as acusações que havia sofrido. Pelo que parece, ele não era tão “gifted” assim.
Calma, eu sei que você deve estar extremamente curioso pra descobrir como ele conseguiu esconder por todos esses anos, deve até estar pensando: “isso merecia um filme”.
E não é que mereceu? Em 2014 foi lançado o documentário “Stop at Nothing: The Lance Armstrong Story”.
Obviamente, eu que vos escrevo já assisti 375 mil vezes e se você é fã de performance, esporte ou só curioso, vale cada minuto. O documentário mostra toda a trajetória do atleta, a batalha contra o câncer e as glórias em solo francês. Além de explicar todo o funcionamento por trás da máfia do doping, que acontecia embaixo dos olhos de toda a imprensa.
Pra não dar spoiler, eu não vou contar como ele escondeu tudo por tanto tempo. Assista o filme, que você não vai se arrepender.
Ahh, mais uma coisa! Da próxima vez que o estagiário der uma sugestão, em uma reunião, não descarte de primeira, vai que ela pode virar um Tour de France 😎.
Se você tiver gostado do tema, manda pra gente nas redes sociais. Vai que os chefinhos liberam mais um texto meu explicando como funciona o negócio por trás de um evento tão grandioso como o Tour de France, envolvendo todas as cifras.
⏳ Atemporalidades
Leia agora, leve pra vida.
“Uma cura certa para os que consideram as ações um investimento seguro é uma grande queda de preços.” — Peter Lynch
"Para os triste mortais, os melhores dias da vida são sempre os que fogem primeiro." — Virgílio, Geórgicas III, 66-7 (Livro: Sobre a Brevidade da Vida)
Por hoje é só pessoal 🤙
Bebam café, se hidratem e cuidado com certos tipos de dopping!
Boa semana e bons negócios!
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Editado por thiagomd_1 e guilhermevcz.