Edição Especial: O Homem (Limão) Invisível & Bull Market Rhymes
Você sabe mesmo tanto quanto acha que sabe? O que um sábio faz no início, um tolo faz no final.
Quintou!
Chegou o dia mais esperado do mês, em que você recebe a Edição Especial do Diário de Omaha: um compilado de textos atemporais selecionados a dedo pra você.
Pra começar, contamos a história de como um homem assaltou um banco, pensando que estava invisível. Sim, a estupidez humana não tem limites e isso levou dois psicólogos a teorizarem sobre o o que mais tarde levou o nome de ambos: o Efeito Dunning-Kruger.
Por fim, falamos sobre a última carta de Howard Marks, da Oaktree, e como ele aborda os ciclos de mercado, num comparativo com um episódio bem conhecido da história brasileira: a Serra Pelada.
Bora lá?
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🎓 Filosofando
Só sei que nada sei
O Efeito Dunning-Kruger ou Porque os Incompetentes são tão Confiantes
Você sabe mesmo tanto quanto acha que sabe?
Por @ctexjr
Em abril de 1995, em Pittsburgh, um homem chamado McArthur Wheeler roubou 2 bancos em plena luz do dia, sem usar máscara nem disfarce. Também não se preocupou em se esconder das câmeras de segurança. Como se estivesse fazendo um saque, entrou no banco, sacou a pistola, anunciou o assalto e saiu com o dinheiro.
É óbvio que não demorou pra que a cara do sujeito, filmada no circuito interno dos bancos, aparecesse nos jornais e ele fosse preso. Na delegacia, indignado, o sujeito jurava que tinha passado suco de limão na cara, e queria saber dos policiais como foi que conseguiram filmá-lo.
Aos investigadores, Wheeler contou a história da tinta mágica, feita com suco de limão: escreva com suco de limão num pedaço de papel, espere secar e as palavras vão sumir, e só poderão ser lidas se o papel for aquecido na chama de uma vela.
O idiota ingênuo assaltante achou que estaria igualmente invisível se passasse suco de limão no rosto. E assim fez, antes dos dois assaltos que praticou.
Dizem que foi essa história que levou os psicólogos David Dunning e Justin Kruger, ambos da Universidade de Cornell, a se interessarem por estudar como uma pessoa pode ficar tão confiante sobre uma ideia tão estúpida. Estudando casos semelhantes, Dunning e Kruger chegaram a conclusão que pessoas com baixa habilidade em uma tarefa tendem, paradoxalmente, a se superestimar.
Quando uma pessoa que não conhece nada sobre um assunto começa a estudar sobre ele, o pouco conhecimento que adquire a afasta tanto do nada absoluto que conhecia antes, que ela fica com a sensação de: — “Agora sim, agora eu sei tudo sobre isso. Como eu era ignorante antes”.
É essa sensação de domínio e maestria que lhe dá confiança e faz com que ela superestime o seu conhecimento. Além disso, sua incompetência não permite que ela reconheça seus erros. Ela espelha seu antigo despreparo nos outros, e realmente acredita estar um degrau acima dos demais. Vamos chamar a pessoa nesse estágio de Okara.
Se essa pessoa não para por aí e continua estudando, ela logo percebe que as coisas são mais complexas do que imaginava. Quanto mais aprende, mais tem a sensação de que ainda falta muito para aprender.
Agora o sentimento mudou. Ela começa a achar que nunca vai conseguir dominar o assunto. A sensação de maestria é substituída por falta de confiança, sentimento de ignorância e até desmotivação. A pessoa nesse estágio vai receber o apelido de Numsei.
Se a pessoa conseguir vencer essa etapa e continuar acumulando conhecimento, ela readquire a confiança perdida e acaba dominando o assunto. Nesse ponto ela tem a confiança e o conhecimento, mas entende a verdadeira complexidade das coisas e sabe que vão existir outras pessoas que vão saber mais que ela, e poderão colaborar para expandir ainda mais seu conhecimento. Vamos chamar essa pessoa de Sócrates.
Agora imagine Okara, Numsei e Sócrates em uma mesa redonda sobre o assunto que vêm estudando. Um debate com plateia. Okara sabe pouco, mas é muito confiante e defende suas opiniões com firmeza. Numsei sabe mais que Okara, mas como não tem confiança, se esconde e evita colocar suas opiniões. Sócrates se mostra confiante. Ele não se esconde, mas sabe que não existem respostas simples para questões complexas. Ele se posiciona mais reservadamente, e não é tão eloquente.
Quem você acha que conquista a confiança da plateia?
Ele mesmo: Okara.
Esse viés comportamental que leva pessoas com pouco conhecimento sobre um assunto a supervalorizar o próprio conhecimento, enquanto os experts no tema subestimam a própria capacidade ganhou o nome dos dois psicólogos que o estudaram. É o Efeito Dunning-Kruger.
Ele se aplica a qualquer habilidade que pode ser aprendida ou desenvolvida por uma pessoa. Lógica, gramática, finanças, contar piadas. A lista não termina. Além disso, qualquer pessoa pode ser vítima do viés. Você pode estar sendo McArthur Wheeler de um assunto que está aprendendo agora, e não tem a menor ideia disso.
Como evitar ser uma vítima?
O primeiro passo você já deu, tomou consciência que esse viés comportamental existe. Busque feedback. Esteja aberto a ouvir e aprender com os outros, e nunca pare de estudar.
Sócrates, o filósofo — não o do exemplo aí de cima — nos deixou uma pérola pra falar disso:
Sobre a história do McArthur Wheeler, você não acreditou né? Achou que foi muuuita “forçação de barra” pra introduzir a história do Dunning-Kruger? Vou confessar que até eu achei. Mas aí fui pesquisar no Google e achei isso aqui no Pittsburgh Post-Gazette de 21 de abril de 1995:
🍷 Sommelier
Consumimos de tudo. Trazemos o que importa
📜 Cartas dos Gestores
Oaktree Letter - Bull Market Rhymes
Por @thiagomd_1
De 1980 a 1992, milhares de homens se mudaram para Serra Pelada, no Pará, em busca de ouro. O local foi o maior garimpo a céu aberto do mundo e se estima que pelo menos 42 toneladas de ouro tenham sido retiradas do local.
Tudo começou em plena floresta amazônica, na Fazenda de Três Barras, no sudoeste do Pará. A primeira pepita foi encontrada por uma criança, em 1979, na beira de um riacho, dentro da fazenda de Genésio Ferreira da Silva.
O pai da criança levou a pedra até Genésio, que a mandou para averiguação em Marabá, pra confirmar se era ouro mesmo. Dizem que junto com a confirmação da pepita, já chegaram alguns garimpeiros, que Genésio permitiu que tentassem encontrar mais ouro dentro de sua propriedade. E eles encontraram muito!
O ouro de aluvião, aquele que aparece nos vales dos rios, em camadas superficiais da terra, era abundante. Não precisou de muito pra que a notícia se espalhasse pela região, depois pelo estado do Pará e logo pelo país todo. No final, 10% da arrecadação ficava com Genésio. Ou pelo menos foi isso que ele tentou fazer, atribuindo a alguns homens a exclusividade da exploração. Mas os 30 que chegaram antes viraram milhares em meses, e dezenas de milhares em um ano.
Já no primeiro semestre de 1981, o garimpo manual contava com 20 mil pessoas, todos com uma única intenção: bamburrar (palavra usada pelos garimpeiros que significa enriquecer)!
Já nos primeiros meses da exploração, a vegetação foi toda retirada e a terra dividida em barrancos individuais, na colina que pertencia à Vale (VALE3). Afinal, aquele ouro de aluvião da fazenda de Genésio acabou rapidinho.
A colina tinha uns 150 metros de altura e foi dividida em lotes de 2 x 3 metros, entre os pioneiros na exploração. Os donos desses lotes contratavam 5 tipos de trabalhadores.
O primeiro deles era o “meia-praça”, que era basicamente o gerente e ficava com 5% do ouro encontrado no lote. O segundo era o “cavador”, que rompia o solo com a picareta atrás do metal. O “formiga” era o terceiro tipo, responsável por levar os sacos de terra de 40 kg pra fora do lote. O quarto tipo era o “apontador”, que contava os sacos retirados do lote e, por último, existia o “apurador”, que lavava a terra e fazia a separação do ouro usando mercúrio. Todos esses últimos eram assalariados e não tinham exatamente uma participação no lucro, como o meia-praça.
Depois de separado, o ouro era fundido em barra e vendido para a Caixa Econômica Federal — única compradora oficial do ouro da serra — que pagava um preço 15% menor que o praticado no mercado internacional. Afinal, o Estado tinha que ganhar alguma coisa, certo?
Movidos pelo sonho de ficarem ricos, estima-se que Serra Pelada atraiu mais de 90 mil homens durante toda a década de 80, até 1992, quando o garimpo foi fechado.
A serra batia recordes de extração a cada ano. Em 1981, a extração chegou a 2,5 toneladas, número superado somente no primeiro semestre do ano seguinte. Em 1983, foi encontrada a maior petita do mundo no local — uma pedra de 36 kg — que foi anunciada no Jornal Nacional, por Cid Moreira. Esse ano ficou marcado como o pico da extração, já que 13,9 toneladas de ouro foram extraídas do local.
A euforia continuou até 1986, mas a quantidade extraída já tinha começado a cair e chegou a apenas 2,6 toneladas no final desse ano, 5 vezes menos que no pico de 1983. Escândalos de corrupção começaram a aparecer na cooperativa de garimpeiros e a violência estava no auge. Na Vila 30 — comunidade que o garimpo fez surgir a 30 km da serra — havia um lema: “de dia é 30, de noite é 38” (em referência ao revolver calibre 38).
Na vila, os preços praticados chegaram a fazer inveja à capital mais cara do Brasil, até que em 1987, dos 100 mil habitantes do local, apenas 15 mil estavam empregados. A produção de ouro tinha caído absurdamente e a colina que existia no início deu lugar a um buraco que já tinha atingido 100 metros de profundidade. A verdade é que quase ninguém mais conseguia retirar ouro de lá.
Em 1988, foram extraídos apenas 745 kg do local e em 1990 essa marca caiu pra 250 kg. Por fim, em 1991 já não tinha mais nada lá. A perfuração de um lençol freático e as fortes chuvas típicas da região transformaram o buraco de mais de 100 metros de profundidade em um grande lago.
O garimpo manual ficou oficialmente impossível e os milhares de garimpeiros ficaram sem emprego. Miséria e violência tomaram conta da região, coisa impensável para um lugar onde poucos anos atrás garimpeiros sortudos tiravam pepitas de mais de 30 kg de ouro.
Em 1992, a área foi devolvida à Vale, que foi indenizada em 1984 em US$ 59 milhões, pelo Governo Federal. A Serra Pelada tinha virado história e sobraram no local apenas alguns desiludidos renitentes, que se negavam a voltar para casa de mãos vazias.
Não, não é sobre Serra Pelada que Howard Marks — um dos maiores investidores do mundo — escreveu na sua última carta da Oaktree. Mas ao mesmo tempo, foi sobre a Serra Pelada.
Como assim? Você deve estar se perguntando.
É claro que não foi literalmente sobre a exploração do ouro e os garimpeiros de Serra Pelada que ele escreveu, mas foi sobre o mesmo sentimento que permeou o pessoal da serra: a vontade de enriquecer e o otimismo exagerado.
Acontece que na carta de Marks, o que acabou despertando esse sentimento a partir das quedas absurdas de março de 2020, foi a política monetária do FED para combater os efeitos da pandemia.
Marks falou sobre muita coisa, durante as 13 páginas da carta. Entre elas: ciclos de mercado, bull e bear markets, criptomoedas, super stocks (FAAMG) e sobre comportamento humano. Ele ressaltou a grande importância que a psicologia tem nos preços dos ativos financeiros. Seja para cima, quando os investidores estão eufóricos e acham que os preços não podem cair. Seja para baixo, quando esses mesmo investidores estão extremamente depressivos e acham que os preços nunca mais irão voltar a subir.
Ele ressalta as fases de um bull market e o efeito psicológico causado nos investidores pelas novidades das teses mirabolantes de investimento vendidas muito caras, que passam a ideia de que algo novo se tornará imprescindível no futuro. Conta como um bull market atrai a maioria das pessoas só pela euforia de bons resultados causados pelo momento.
Em suas palavras, no primeiro estágio, quando os preços estão baixos e uma aura de pessimismo ainda impregna o mercado, as únicas coisas que são precisas ter pra comprar são: dinheiro e estômago.
No estágio dois, quando os preços começam a subir, os bons retornos encorajam os investidores, que são cada vez mais atraídos pelo otimismo gerado por esses mesmos resultados. No terceiro estágio do bull market, cautela e seletividade deixam de existir e as pessoas compram agressivamente, justamente no momento que deveriam ter mais cuidado.
Infelizmente, investidores recompensados por sua tolerância ao risco, com uma sequência de ganhos extraordinários, param de discernir investimentos bons de ruins. De repente, o sentimento positivo sobre alguns exemplos de ativos em um setor novo e promissor, são estendidos a todos os ativos daquele setor, e tudo parece que vai dar certo. Pra você ter uma ideia, o número de SPACs no mercado americano saiu de 59 em 2019, para mais de 600 em 2021.
No breve texto de Glen Kyle sobre os ciclos de mercado, a gente pode ver as três fases bem claras. A primeira é a Accumulation, lá no início, com pouca gente. A segunda começa em Momentum builds, com mais gente entrando. Por fim, a terceira está ali, em FOMO e Euphoria, que é quando a razão deixa de existir.
Porém, nada dura para sempre e nenhum preço sobe indefinidamente. Preços excessivamente altos, geralmente, revertem para a média e aí vem a queda! E isso deixa muita gente desesperada no caminho, principalmente quem comprou no último estágio do bull market.
“O que um sábio faz no início, um tolo faz no final”.
No mundo real, as coisas flutuam entre “muito boas” até “nem tão boas assim”. Porém, no mundo dos investimentos, a percepção dos investidores flutua de: “isso é perfeito”, para “tem 0 chances de dar certo”. Lembra da expressão: ou é 8 ou 80? Esse sentimento faz com que teses, antes vistas como fortes e impecáveis, ao primeiro sinal de fraqueza passem a ser vistas como um desastre.
Em tempos de alegria, com tudo dando certo, tech bulls vão falar que é preciso investir em ações de crescimento, cujas empresas terão décadas pela frente de potencial incremento nos lucros. Nesses tempos, lucro não é importante, e queimar caixa é justificável, já que a empresa está queimando dinheiro para ganhar escala e tudo que importa é o tamanho do mercado endereçável daquele produto ou serviço.
Mas depois de um declínio considerável nos preços dessas ações, o que se houve é que o investidor deve colocar seu dinheiro em empresas sólidas, geradoras de caixa e que investir em empresas que não dão lucro é jogar dinheiro no lixo.
Se você acha que o preço é reflexo apenas dos fundamentos, você está enganado. Os fundamentos de uma empresa, por exemplo, são objetos de análises feitas por seres humanos. O problema é que essas análises estão repletas de sentimentos, emoções e outros fatores psicológicos, que podem mudar drasticamente em um curto espaço de tempo.
Essa mudança de sentimento, às vezes catalisada por fatores de política monetária, às vezes por fatores políticos como guerras, às vezes somente por medo ou otimismo exagerados, marcam as fases dos ciclos de mercado.
Uma das citações da carta, de um trecho do artigo “The Unreachables”, de Theodor Reik — um dos primeiros alunos de Freud — é extremamente ilustrativa:
“Existem ciclos recorrentes, altos e baixos, mas o curso dos eventos é essencialmente o mesmo, com pequenas variações. Dizem que a história se repete. Talvez isso não seja o mais correto; ela apenas rima.” (tradução livre)
Por isso, tenha cuidado com as promessas de um Eldorado, como foi a Serra Pelada, e procure entender sobre os ciclos de mercado.
Não seja o garimpeiro que chegou depois de 1986!
Por hoje é só pessoal 🤙
Esperamos que tenham gostado dessa edição especial!
Bebam café, se hidratem e tenha certeza de não sair por aí banhado em suco de limão, achando que está invisível!
Bom fim de semana e bom descanso!
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Revisado e editado por @guilhermevcz e @thiagomd_1.